Francisco Martins Sarmento
ESTÁTUA
CALAICA DE FAFE
Um
sobrinho do Vieira, residente em Fafe, Albino Almeida Dias Leite, esteve comigo
contando-me algumas descobertas feitas no monte de Santo Ovídio, perto a Fafe.
Um muro de suporte que se fez ao terrapleno em que fica a capela, obrigou a um
corte e foi isso que fez descobrir várias moedas (algumas das quais, pequenos
bronzes, possuo, indo as melhores para as mãos de um brasileiro que as levou
para o Rio), alguns objectos de metal, etc., algumas balas de pedra (sic), etc.
Quase tudo parece ter aparecido ao pé de uma pequena mina, que ficou de novo
atulhada. Falou-me também de uma estátua, que havia no alto do monte, e que os
garotos já tinham posto em duas. Não era para mim nova a existência de tal
estátua; mas a descrição que ele me fez dela fez-me entrever nela um outro
exemplar das estátuas calaicas. Mandando-lhe mostrar a estampa da de Viana, na
obra do Hübner, reconheceu-a logo.
Daí
a dias estava em minha casa a estátua, que mandei colar, ficando sofrivelmente
remendada.
A
estátua não tem cabeça, que era como a de Viana, separada do tronco. Mandei
pedir disso e de outras coisas notícia ao José Maria Peixoto; mas pouco se
adianta. Falou com o homem que assistiu à escavação,
onde ela apareceu (um caseiro do Ferreira), mas este não se lembra de cabeça,
só diz que conjuntamente apareceram outras peças, que foram enterradas, ou
metidas numa edificação da quinta…
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MONTE
DE SANTA PÁRA
Fui
hoje em busca da cidade Eufrásia, para Fareja. Esplêndida vista para o vale de
Vila Nova das Infantas. Por mais que espreitei pelos outeiros, ao longo do
vale, nada vi. Chamou-me a atenção um outeiro coberto de pinheiros. Soube
depois que tinha o estranho nome de Santa Pára. Fica-lhe ao pé a quinta de
Cepelo pertencente ao R. de Meneses. O monte não tem um único fragmento de
barro. Está, porém, excelentemente situado para uma briga. Há lá um penedo grande, com uma gruta muito suspeita, que
pedia uma pequena escavação. Mais para nordeste deste outeiro há outros com
lindíssimos grupos de penedos. Um destes grupos forma grandes cavernas, que dão
para uma laje grande, onde se seca milho. As cavernas são aproveitadas para
alpendre: há mesmo dentro delas umas partes ladrilhadas.
Perguntando
pela cidade antiga, disse-me o interlocutor que ficava no vale. Tem com ela
relação, parece, Vila Nova das Infantas (7-5-79).
FAFE
SANTO
OVÍDIO
PENEDO
DE SANTO ENTRUDO
OUTEIRO
DAS FREIRAS
OUTEIRO
DO CU DE CÃO
PENEDO
DA PEGADINHA
No
dia 10 (sábado) fui a Fafe. O receio da chuva só me deixou ir de tarde, saindo
de Guimarães às três horas. Não falta por ali que ver.
MONTE DE SANTO OVÍDIO
Era
uma pequena fortaleza do tamanho de Sabroso, num outeiro isolado e abrupto pelo
lado poente. Passa-lhe nas fraldas o ribeiro de Cavaleiros, que toma diferentes
nomes conforme os lugares que atravessa e, reunido já ao Calvelos, tem, quando
passa na ponte sobre a estrada para Guimarães, o nome de rio Bouças. A capela
de Santo Ovídio, com a sua escadaria e patamares, tem desfigurado um pouco o
outeiro. A única coisa que vi de antigo foram pequenas covinhas nas lajes, e
aqui e ali vestígios raros de alicerces de construções. Mas os achados quando
se fizeram as obras foram importantes.
1º
No largo que precede o lanço de escadaria que leva ao alto da capela, à
esquerda apareceram mós de mão e telha romana; à direita, e já ao lado do
primeiro lanço de escadas, parapeitos de pedra, grande porção de balas de
pedra, carvão, tijolo, muitos fragmentos de barro preto.
2º
No largo onde está a capela, apareceram várias moedas de cobre, algumas do tempo de Antonino, segundo decifração do
Pereira Caldas, e, segundo diz o Albino, algumas medalhas (moedas de mais de
polegada e meia de diâmetro) que um brasileiro levou para o Rio.
3º
O achado mais importante foi feito ao lado esquerdo da capela na direcção de
sul a norte. Era uma espécie de mina que ficaria a dois metros e meio do
pavimento actual (o planalto onde fica a capela é artificial) e pouco mais de
um, decerto, na ocasião da descoberta; mina que tinha na boca uma tampa
quadrada de pedra, ornamentada, não sabendo Albino dizer a espécie de
ornamentação. Dentro apareceram muitos vasos de barro branco com cinzas e
falanges de dedos, facas e traçados de ferro, fundas com o assento de ferro, e
correias que se desfaziam…
Os
pedreiros entretinham-se a jogar com estas fundas as balas de pedra. Tudo foi
destruído. A tampa ornamentada e balas foram para os alicerces, as urnas cinerárias inteiras foram
quebradas e dissipados os cacos. Parece, porém, que a mina ainda continuava
para fora do paredão e é possível tentar uma pequena exploração e pouco
dispendiosa.
A
sul e nas faldas do monte é que apareceu a estátua calaica, ao escavar numa
corte.
PENEDO DE SANTO ENTRUDO (também Penedo do Mocho)
Avista-se
o morro já de Santo Ovídio e dista dele um quarto de légua para sudueste. É o
chamado “dólmen de Cepães”; mas o morro ainda pertence a Fafe, salvo erro, mas
a freguesia de Cepães que se estende até ao monte de Santa Pára começa ali
perto.
O
morro não é artificial. Os penedos centrais foram todos quebrados e o único que
resta já levou um tiro que lhe destroçou a parte superior
Um
lavrador que interrogámos, por ser velho, devia contar alguma coisa boa, mas só
nos disse que se chamava o penedo “penedo de Santo Entrudo”, e uma rapariga ao
pé dele deu-lhe o nome de “penedo do Mocho”; mas tudo isto se combina talvez
com a probabilidade de haver mais que um. (Penedo do Mocho havia um em
Pedralva, e tinha este nome por causa de uma cavidade onde cabia um mocho). O
lavrador gaguejou sobre se os outros penedos formavam com o ainda existente
alguma caverna; mas um dos penedos diz ele tem cruzes (insculpidas) e o actual
nenhuma tem, nem sinal visível. Uma exploração era tentadora, e o maior
trabalho era rolar para o fundo do pequeno morro os calhaus partidos. Se havia
ali um dólmen é duvidoso; mas o que parece ter havido com certeza é um
cromeleque, pelo menos triplicado. Três ordens de fiadas de pedra distinguem-se
menos mal, distanciadas umas das outras coisa de dois metros e regularmente
assentes, com falhas largas. Limpando tudo, a construção pode desenhar-se
talvez, reconstituindo mais os grupos dos penedos, pela raiz que eles deixaram.
A figura central é o penedo de Santo Entrudo; as linhas circulares as fiadas do
cromeleque. A base do morro terá pouco mais ou menos trinta metros. Fica num
lugar agreste e solitário.
OUTEIRO
DAS FREIRAS
Um
terço daí, em relação à distância do monte de Santo Ovídio aqui, fica o monte
das Freiras. É tradição ter havido aqui um convento de freiras. Antes de lá
chegar vi que se dava aqui o caso de ser a tradição a inimiga da história. O
outeiro é alto e solitário. Como vieram viver para aqui freiras? A coisa
explica-se em parte desde que se saiba que apareceu aqui a Senhora de Antime,
que tem ainda um menino nos braços. É um ídolo, e como apareceu também muita
pedra de construção, havendo mesmo uma casa em Fafe, edificada com pedra que
dali veio, supôs-se decerto que houve ali convento. Mas porquê de freiras?
É
preciso lembrar que na Lapela do Barral se dizia ter havido uma freira. Há aqui
ilusão filológica? Talvez.
Examinando o outeiro não vi plana
nenhuma onde pudesse assentar convento, nem vestígios de alicerces que ele
devia ter deixado. Mas há, um pouco apagados, vestígios de pequenas
construções, e uma pareceu-me acusar uma forma circular. Num dos penedos vi uma
coupelle larga. Há fragmentos de
barro; mas pouco característicos, e mal observados, porque era já sol posto.
Para sudeste o monte é belamente alcantilado, e ao fundo entre ele e o rio
(Ranha) fica o outeiro do Cu do Cão, todo composto de pequenos penedos. O nome
vem-lhe da sua forma, ou há aqui uma duplicação de nomes cu (cou) = cão?
Em suma, o que eu inferi foi que o
Outeiro das Freiras era um outro pequeno forte. O rio Ranha (Ran, Rhan?) passa
a pouca distância na direcção de nordeste-sudeste. E possível mesmo que as
tradições que há por ali, e que vou pedir ao Albino que me individualize
melhor, sejam uma página histórica de uma alta antiguidade. Eis o que me lembra.
Quando levaram o ídolo para Antime, que fica na margem esquerda do rio Ranha,
os de cá protestaram e quiseram roubá-la (se ela não desaparecia por si mesma).
Entrou-se depois numa combinação no dia da festa e romaria, a Senhora tem de
passar o rio e estar algum tempo do lado de cá. No fogo há uma outra alusão a
estas rivalidades de vizinhos. Fez-se um castelo de fogo numa margem do rio, e
outro na outra margem, e por um trinca-fio vem do lado de Antime, mas depois
torna para lá – o que o pai do Albino não sabe explicar. Quer dizer que a
vitória ficou aos de Antime? Esta costumeira é velhíssima, dizem. É bom esmiuçá-la.
PENEDO DA PEGADINHA
Indo do Outeiro das Freiras para
Fafe, e portanto a nascente daquele, ficava o Penedo da Pegadinha, já numa chã
e quatrocentos ou quinhentos metros longe do outeiro. Fizeram-no em hastilhas.
Continha, segundo diz o Albino, uma pegadinha que era a do menino; outra maior,
que era da Senhora de Antime; uma ferradura; um tacho (?) e uma bengala (?).
CAPELA DE NOSSA SENHORA DO SOCORRO
Não fui lá; fica a nascente de Fafe,
e dizem ser muito antiga. Uma das suas curiosidades são uns baixos-relevos numa
campa, onde se vêem um alforges, uma gaita de foles, e não sei que mais. Isto
aludia, diz-se, ao edificador da capela, que foi um mendigo.
MACHADINHA PEQUENÍSSIMA
MOEDA
DE CASCANTUM
Foram
encontrados estes objectos no monte de S. Jorge (Fafe), e pelas indicações que
me dá o Magalhães, sobrinho dos Sampaios, é o alto que o Peixoto chamava
“outeiro das Freiras”.
A machada
é curiosa pela pequenez e pelo bem acabado. Não tem mais que uma polegada de
comprido. É de quartzo vulgar, mas perfeitamente afiada.
Apareceu
ao pé de um meio bronze, que no reverso tem um boi, por cima MUNICIP. E, por
baixo, .ASCANTUM (FALTA-LHE O c INICIAL).
O
Magalhães ficou de ver se me obtinha os dois objectos, que pertencem ao abade
de Quinchães, um coleccionador de moedas portuguesas, e pelo menos de dar mais
exactas informações sobre o lugar do achado.
ARREDORES
DE FAFE. Hoje (20-5-84)
O
Magalhães veio trazer-me à amostra outra machadinha, também encontrada no Monte
de S. Jorge e cujo possuidor é um pobre, que a vende. Ficou de a ajustar e
pagar. É de jade, de linda forma e ainda bem afiada; comprimento, duas
polegadas. Diz que a machada em miniatura e a moeda de Cascantum estão seguras.
Conta
o seguinte: um padre João, colado em não sei que freguesia, e que, segundo ele
dá a entender, se interessa pelas velharias e é um bom cicerone, desconfia que
no monte de S. Jorge há mais machadas.
Sepulturas
com figuras no monte de S. Jans (sic). As sepulturas são pequenas e parece que
em sítio isolado. Esta notícia intrigou-me.
AS
BICHAS
Na
freguesia de Santa Maria do Ribeiro há tradição de um homem que matou duas
bichas (cabras). Na parede da igreja há um arcosólio, onde está enterrado o
matador da bicha, e o pároco, em virtude de um legado, vai ainda num certo dia
rezar ali um responso, mencionando o feito. Parece peta!
Na
casa de uma tia do Magalhães há um globo por cima do portal, e nele enroscadas
as duas cobras. Memória do facto. As bichas foram mortas num sítio ainda hoje
indicado, não longe da igreja, e, pelo que parece, perto de uma poça.
A
Senhora é de pedra e tem a data de 1020. Hein?
Mais
uma tampa de sepultura com uma bigorna.
Ao
pé da casa do Magalhães há um pequeno outeiro com o nome de Crasto. Hoje o
terreno é todo agricultado.
Não
longe de Quinchães, parece, há uma Atalaia de onde se faziam sinais para
qualquer parte. Há aí pedraria de ruínas.
Veremos
tudo isto.
In: Antiqua, Apontamentos de Arqueologia
Leitura e organização de António Amaro das Neves
Sociedade Martins Sarmento, Guimarães 1999